As constantes descargas poluentes nos rios (Santa Maria da Feira)

(Artigo de opinião originalmente publicado no Jornal N em janeiro 2021)

Ilustração de Rachel Gleaves

O verão passado ficou marcado, no nosso concelho, por diversos atentados ambientais. Houve para todos os “gostos”. Registaram-se fogos, problemas com a recolha de lixo e higienização de estruturas de apoio e ainda as já tradicionais descargas poluentes, das quais se destaca as ocorridas nos rios Uíma e Cáster. Este inverno não tem sido melhor.

Relativamente às descargas poluentes para os cursos de água, se por um lado é verdade que estas têm diferentes origens e não se pode descartar as responsabilidades dos prevaricadores, por outro lado, também não se pode descartar as responsabilidades das entidades responsáveis que deveriam fiscalizar e fazer cumprir a legislação em vigor, mas que pouco têm feito.

Desta feita, o ano começou como acabou, com descargas poluentes no rio Cáster, no centro da cidade de Santa Maria da Feira, exatamente no mesmo local onde no verão já se tinham registado outras descargas. Ou seja, a este nível, pode-se concluir que nada foi feito.

Parece evidente que enquanto as fiscalizações e punições não forem efetivas, os prevaricadores continuarão as suas ações. Daí que a realidade nos remeta, uma vez mais, para, a nível local, a necessidade de uma maior fiscalização e ação por parte da autarquia. Já no panorama nacional, remete-nos para a necessidade de políticas que visem a preservação dos rios, que devem passar pela dotação de mais meios técnicos e humanos do SEPNA (Serviço de Proteção da Natureza e do Ambiente) que permita que este desenvolva mais ações e de forma mais abrangente. A par desta medida, é necessário a abertura de concursos para guarda-rios – profissão extinta em 1995 pelo Governo de Cavaco Silva e cuja a sua recuperação foi aprovada em 2019 na Assembleia da República, mas permanece ainda sem concurso aberto.

Os guarda-rios assumiram, no passado, um papel central na gestão das áreas pertencentes ao Domínio Público Hídrico. No início do século passado o território hidrológico estava dividido em cantões, centrados na bacia-vertente como unidade de planeamento. Isto permitia um melhor desempenho dos guarda-rios no exercício das suas funções. A estes cabia a função polivalente de guarda, vigilância, proteção e conservação dos rios, ribeiros, canais, valas, pontes e aquedutos, assim como dos marcos quilométricos e higrométricos, passando pela fiscalização da extração clandestina das areias, da pesca clandestina, do corte de árvores, situações de depósito de resíduos e de descargas de águas residuais, entre outras.

Outro aspeto que deveria ser acautelado é a necessidade de após uma descarga poluente ser garantida a normalização do curso de água. No entanto, uma vez mais as entidades responsáveis e a autarquia em particular falharam. Recordo a situação vivida nas Caldas de São Jorge, onde se não fosse a ação cívica de alguns cidadãos da freguesia, os peixes mortos pelas sucessivas descargas poluentes teriam apodrecido nas margens do rio.

A política ambiental tem de passar por uma abordagem ampla de ações de sensibilização, educação, fiscalização e em último caso punição, assim como pela exigência da restituição do ambiente afetado. No entanto, as grandes parangonas ambientais de muitos municípios parecem ser a construção de mais passadiços que nos levam a visitar cursos de água que são constantemente prevaricados.

Estamos ainda longe de ter cursos de água saudáveis que permitam o desenvolvimento de flora e fauna e muito se deve à inoperância das autarquias nesse sentido, tantas vezes coniventes com o crime. No caso concreto do rio Cáster, tratando-se de uma descarga que ocorre praticamente sempre no mesmo local, em pleno centro da cidade de Santa Mara da Feira, a poucos metros da Câmara Municipal, é no mínimo incompreensível.

Não se sabe se melhores dias virão, mas para já denunciar estes problemas é da responsabilidade de todos, assim como a ação para os evitar.

Filipe T. Moreira