Esta semana vi, finalmente, o documentário “A Batalha da Rússia” (“The Battle of Russia” em inglês), lançado em 1943 por encomenda do Governo dos EUA. Este documentário é, à vista de muitos, o “maior” da série de filmes que integraram o projeto “Why We Fight”, que visava informar e, acima de tudo, motivar a população dos EUA para a guerra contra a Alemanha NAZI.
Assim, este filme possui vários aspetos interessantes. Um desses aspetos prende-se com a apresentação da Rússia e do seu povo como determinantes para o fim do fascismo na Europa. Recordo que este documentário foi encomendado e financiado pelo Governo dos EUA, pelo que para quem não está contextualizado com o período, poderá parecer muito estranho. Isto porque ainda hoje os EUA têm dificuldade em aceitar, oficialmente, o lugar fulcral dos povos da URSS na vitória sobre o nazi/fascismo na Europa, essencialmente devido a divergências que se acentuaram no pós-guerra. Todavia, à altura, interessava mostrar que o exército NAZI, apesar de bem organizado e equipado, não era invencível, de tal forma que a Rússia lhe havia causado (entre mortos e capturados) mais de 1 milhão de baixas.
O filme/documentário “A Batalha da Rússia”, cuja realização ficou a cargo de Frank Capra e Anatole Litvak, teve muito impacto na crítica, de tal forma que viria a ser indicado para o Óscar de Melhor Documentário de Longa-Metragem (1944), tendo perdido para o britânico “Desert Victory” de Roy Boulting.
A obra documental produzida por Capra foi apresentada inicialmente em duas partes, devido à duração do filme (80 minutos). A primeira parte apresenta a Rússia (sem evidenciar grandes distinções entre esta e a URSS) como uma nação heroica que tem enfrentado várias ameaças desde há mil anos, mas que sempre as consegue superar, essencialmente, por nela habitarem vários povos com muitas diferenças, mas com duas características em comum, a valentia e determinação. Apresenta ainda o território russo em termos geográficos, como sendo extremamente vasto, diversificado e rico em matérias-primas. E para finalizar, surge o enquadramento da Segunda Guerra Mundial e o avanço NAZI sobre a Rússia. Terminando o primeiro episódio com as tropas comandadas por Hitler nos arredores de Moscovo.
O segundo episódio mostra como o “heroico povo da Rússia” se mobilizou em torno do Exército Vermelho para derrotar os fascistas, aplicando assim as primeiras derrotas aos Nazis e dando o maior contributo para o fim do fascismo.
No decorrer do documentário, que conta com várias imagens de cineastas soviéticos, como Eisenstein, são feitas várias comparações entre o povo dos EUA e o Russo, salientando-se a valentia e semelhanças entre ambos.
A sonoridade típica dos anos 40 do século XX pode ser um pouco irritante, pelo que deixo o aviso antecipado. Relativamente à imagem, a qualidade não é o forte, também não seria essa a intenção do filme, mas todo o interesse histórico está lá, ainda que algumas das cenas sejam fabricadas para ter um impacto maior no espetador.
Outro aspeto histórico que envolve o documentário é que terminado o conflito, a narrativa do Governo dos EUA viria a alterar-se, assim como as suas posições relativamente à Rússia e Capra viria a ser um dos muitos artistas americanos incluídos nas listas negras do Macarthismo[1]. O seriado nunca mais foi visto até que, há relativamente pouco tempo, foi recuperado para ocupar o lugar que por direito lhe pertence de obra-prima do cinema de combate pela democracia.
Ainda do ponto de vista histórico, o filme é interessante por algumas imagens, nomeadamente as soviéticas, assim como, pela explicação dos avanços e recuos do conflito no território soviético, mas evidentemente carece de alguns pormenores e de alguns acontecimentos paralelos que tiveram muita influência no desenrolar da guerra. Porém, não nos podemos esquecer que é um documentário, essencialmente, propagandístico, com vista a motivar o povo americano para a guerra, daí que os detalhes sejam aligeirados, como aliás é característico destas obras.
O filme está disponível em várias plataformas, nomeadamente no Youtube (sem legendagem) que pode ver aqui -> https://www.youtube.com/watch?v=ZvsintGi5JA
Quem tem acesso ao serviço Netflix pode também assistir com legendagem.
[1] prática política de perseguição sectária anticomunista dirigida pelo senador norte-americano Joseph McCarthy (1909-1957) nos anos de 1950 nos E.U.A., que se caracterizou pelo recurso a denúncias e a alegações não fundamentadas (in https://www.infopedia.pt/dicionarios/lingua-portuguesa/macarthismo).