“O fanatismo é a essência perene da natureza humana, o ‘gene mau’.”
(Amos Oz)
Conheci Amos Oz em 2007[1] aquando da publicação do “How to cure a fanatic” numa coedição da ASA Editores e do Público traduzida por Henrique Tavares e Castro. Nesta edição de bolso o título é “Contra o fanatismo”.
Apesar de já falecido, Amos Oz (1939-2018) é apontado por diversas fontes como o escritor mais influente de Israel (embora não se possa ignorar a crescente influência de Yuri Harari, ainda que em registos distintos), tendo colecionado várias distinções ao longo dos anos. Em 2002 seria mesmo indicado ao prémio Nobel da Literatura e chegou ainda a ser, por diversas vezes, mencionado como candidato ao Nobel da Paz.
Considerando que a sua obra se tende a fundir com a sua vida, confesso que ainda hoje conheço mais do seu percurso pessoal e político do que propriamente o literário que se traduz em 40 livros e em cerca de 450 artigos. No entanto, não posso negar a influência que a leitura do “Contra o Fanatismo” teve em mim, especialmente numa altura em que me preparava (a vários níveis) para integrar uma Missão de Paz da ONU no Líbano enquanto militar do Exército Português.
A leitura do ensaio “Contra o Fanatismo” foi o meu ponto de partida para conhecer o outro Estado de Israel. Um país com antagonismos de pensamentos e visões que em muito extrapolam a religião. Na altura, os meios de comunicação a que tinha acesso não me permitia perceber que existiam movimentos que defendiam uma política diferente da levada a cabo pelo Governo israelita e que havia (e há) uma Israel que procura o seu espaço através da paz e da coexistência. Com esta obra percebi também que os conflitos não são binários e que a moderação e o diálogo são ferramentas muitas vezes desvalorizadas nos media internacionais.
Num tempo de polarização, como o que vivemos hoje, fortemente impulsionado pelas redes sociais (que tendem a levar os utilizadores a sentir o efeito de falso consenso) a leitura crítica do “contra o fanatismo”, mas também dos vários ensaios de Amos Oz deveria ser fortemente encorajada.
Nas diversas entrevistas que foi dando ao longo dos anos, a dualidade humana foi sempre surgindo, assim como a necessidade da empatia. Empatia que poderá ser a solução para os problemas da humanidade e que é um sentimento vedado aos fanáticos, assim como a imaginação e a curiosidade. Todavia, apesar das suas posições fundamentadas, nem sempre estive de acordo com a sua visão, nomeadamente em relação à Guerra de 2006 (Segunda Guerra Libanesa) ou em relação aos conflitos entre Israel e Gaza 2008-2009 e 2014. Todavia, não é por isso que deva ignorar que foi graças a ele que fiquei a saber que há israelitas que defendem a “solução dois estados” (ainda que diferentes movimentos tenham posições distintas) ou o movimento “Paz Agora” (de que foi cofundador) e ainda os movimentos trabalhistas e socialistas israelitas. Fiquei ainda a saber o que é um Kibbutz – Amos Oz juntou-se a um com apenas 14 anos, tendo sido aí onde adotou a alcunha Oz (que significa corajoso em hebraico), o seu nome original era Amos Klausner.
Voltando ao “Contra o fanatismo”. Neste ensaio o conflito entre Israel e os estados Árabes, principalmente com a Palestina, é tido como consequência do fanatismo e não das religiões ou da “mentalidade dos árabes, como proclamam alguns racistas” (Amos Oz, p.8, 2007). Aliás, no decorrer do texto o fanatismo vai sendo apresentado como a origem de vários problemas da humanidade e como sendo algo mais antigo que as três grandes religiões monoteístas.
Quanto ao conflito entre Israel e Palestina, na sua perspetiva, a sua solução passa por um “compromisso doloroso” que para si significava “vida” e por uma visão pragmática do problema, rejeitando as visões utópicas que muitos pacifistas têm manifestado, até porque o problema não se resolve simplesmente com o recuo dos israelitas das zonas ocupadas, é preciso mais do que isso, é preciso o tal compromisso.
Todavia, com as políticas que os Governos de Benjamin Netanyahu têm desenvolvido, o “compromisso” parece estar longe, cada vez mais longe. Não nos deixemos enganar com os recentes acordos e reconhecimentos assinados com estados árabes, nomeadamente com a Arábia Saudita. Estes acordos vêm no seguimento de interesses em comum, nomeadamente com os muçulmanos xiitas e o Irão, não se antevendo dali uma solução, muito menos pacífica, para o conflito entre Israel e a Palestina.
Também não me parece que a solução deste conflito venha de fora, terá de ser intrínseca. Para isso não se pode ignorar a essencialidade da Educação. Todavia, como escrevi há uns anos, o fanatismo está evidentemente impregnado também no sistema educativo. Se por um lado temos excelentes exemplos de integração, por outro temos exemplos onde o fanatismo tem triunfado. Veja-se o exemplo ocorrido há uns anos, quando o Ministro da Educação de Israel decretou que se retirasse um livro do Currículo Nacional do secundário que retrata o amor entre uma israelita e um palestiniano. A remoção do livro não se deveu a méritos literários pouco reconhecidos (até porque segundo vários professores israelitas a obra é de reconhecido valor), mas porque a leitura desta obra poderia levar à “assimilação” ou mesmo perturbar o legado ou a identidade dos estudantes de todos os setores.
Quanto a nós, penso que o nosso papel deverá passar pelo combate ao fanatismo e pelo apoio aos movimentos que poderão ser a solução, que existindo, não têm tido a força suficiente para se fazer valer.
[1] Ano em que venceu o Prémio Príncipe das Astúrias de Letras
Website oficial de Amos Oz: http://www.amos-oz.net/
Fotografia retirada de https://en.wikipedia.org/wiki/Amos_Oz#/media/File:Amos_oz675.jpg