(Artigo originalmente publicado no jornal Diário da Feira a 2 de setembro de 2020)
Sempre estranhei o facto de Portugal não celebrar oficialmente o Dia da Vitória (8 de maio e 9 de maio nos países de leste da Europa), o dia em que a Segunda Guerra Mundial terminou na Europa (na Ásia só terminaria oficialmente a 2 de setembro do mesmo ano).
É evidente que no período da ditadura tal seria impensável. Isto porque, apesar da neutralidade assumida e da histórica relação com Inglaterra, não podemos ignorar a proximidade do regime de Salazar com o regime de Hitler. Esta simpatia levou, entre outros, o regime a decretar luto nacional pela morte do “fuhrer” e, antes disso, a vender toneladas de volfrâmio no mercado paralelo aos alemães. Parte deste volfrâmio saía mesmo da nossa região e viria a estar na origem do ouro nazi que iria encher os cofres lusitanos, cuja proveniência e destino se tentou perceber durante anos.
Ainda a respeito da neutralidade, importa referir que o regime sempre foi jogando para os dois lados, mesmo quando já se tinha conhecimento comprovado do Holocausto. Como provas temos o testemunho de dois fugidos de Auschwitz (Rudolf SVrba e Alfred Wetzler), mas também relatos de movimentos da própria Igreja Católica.
Avançando. Em democracia, não assinalar este dia com as devidas honras de Estado é ignorar as vítimas portuguesas na Segunda Grande Guerra. Na Europa, terão sido várias centenas os portugueses forçados a trabalhar nos campos nazis.
No entanto, a maioria das vítimas terá sido em Timor, onde se estima entre 40 000 a 70 000 mortes, isto sem mencionar as vítimas de tortura, perseguição e nos campos de concentração.
O caso de Timor na 2ª Guerra Mundial é um acontecimento cujos pormenores foram sendo disfarçados e ocultados no decorrer de vários anos. Era uma mancha para a imagem do regime. Contudo, Portugal chegou a ter militares em preparação em Moçambique para entrar no conflito em Timor. Acontecimento que não se deu por diferentes razões, sendo a mais importante o interesse dos aliados em manter Portugal neutro. Outras razões prendiam-se com a questão de o material usado pelas forças militares portuguesas, à data, ser obsoleto e não coincidente com o das forças aliadas, o que poderia ser um transtorno logístico e, ainda, pelo facto de Timor não ser estratégico para o plano norte-americano de avanço no Pacífico. Assim, esta força portuguesa acabaria por chegar a Timor somente no final do conflito.
Outro acontecimento deveras interessante foi o exército australiano (juntamente com forças britânicas e dos Países Baixos) ter chegado a Timor antes das forças japonesas. Esta chegada das tropas aliadas à ilha foi interpretada pelo Japão como uma violação da neutralidade de Portugal e um pretexto para a invasão. Porém, o verdadeiro interesse japonês na região seria os recursos da ilha e a proximidade com a Austrália.
As forças aliadas estacionadas na ilha seriam então derrotadas pouco depois da invasão japonesa que havia ocorrido em fevereiro de 1942. No entanto, nos meses seguintes, uma força de comandos australianos aquartelados nas montanhas foram desenvolvendo atividades de guerrilha.
Estes comandos não estavam sozinhos e contavam com o apoio de timorenses, essencialmente aldeões. No decorrer dos meses, causaram inúmeras baixas ao exército imperial japonês que tinha desembarcado cerca 5000 tropas na ilha de Timor. Todavia, no ano de 1943 (um ano após o desembarque japonês na ilha) os comandos australianos foram também obrigados a retirar.
Contudo, a resistência não terminou. Após a retirada dos comandos australianos, alguns timorenses continuaram a resistir, pagando um elevado preço por isso, tendo alguns deles sido fuzilados juntamente com as famílias. O mais famoso timorense fuzilado foi o Comandante “Dom Aleixo”, como era conhecido, figura que viria a ser usada na propaganda do Estado Novo.
Poderei estar equivocado, mas penso que somente em 2018 foi reabilitado o Memorial Fúnebre em Aileu (local de um massacre em 1942), onde há 10 campas com 12 corpos de portugueses e timorenses que morreram na Segunda Guerra Mundial. A inauguração do renovado memorial contou com a presença do chefe do Estado-Maior-General das Forças Armadas (CEMGFA), tendo sido realizada uma homenagem aos militares portugueses caídos no conflito.
Outros países reconhecem o contributo de portugueses no esforço de guerra (do qual a figura mais popularizada é a de Aristides de Sousa Mendes). Não obstante, continuamos sem cerimónia oficial.
Comemorar o dia da Vitória seria homenagear a resistência e os que padeceram a lutar pelos seus. Esperava-se também que esses mesmos resistentes e combatentes fossem condecorados, ainda que muitos já tenham falecido, face à passagem dos dias. Porém, nunca é tarde para se honrar a bandeira nacional e não há melhor forma de o fazer do que dar o devido reconhecimento a quem defendeu os cidadãos que a sentem como tal.
Se não for a 8 ou 9 de maio, que seja a 2 de setembro, dia do reconhecimento oficial do fim da Segunda Guerra Mundial no Pacífico, região onde muitos portugueses perderam a vida.
Filipe T. Moreira