“Mais um Dia de Vida” (2018)

O filme “Mais um Dia de Vida”  (Another Day of Life) de Raúl de La Fuente e Damian Nenow, uma coprodução entre Espanha e Polónia, é uma adaptação ao cinema  do livro homónimo do polaco Ryszard Kapuscinski (1932 – 2007). Esta adaptação de cerca de 80 minutos tem várias características interessantes, uma é que é composta por 60 minutos de filme em animação e 20 de imagens de arquivos ou entrevistas a protagonistas do filme, dos quais se destaca Farrusco que abordarei mais à frente neste texto.

Imagem do Filme “Mais um Dia de Vida”

Ryszard Kapuscinski, ou Ricardo como era conhecido em Luanda, foi um jornalista polaco, considerado um dos maiores repórteres de guerra do século XX, apesar da controvérsia que envolve a sua obra, caracterizada por muitos como jornalismo literário ou realismo mágico. Porém, ao longo da sua vida publicou diversos livros (estando os mais relevantes traduzidos e publicados em Portugal) dos quais o mais conhecido será o “Imperador”.

Todavia, o seu livro mais conhecido em terras lusas será o “Mais um Dia de Vida” que descreve a sua estadia em Angola no conturbado período de 1975 aquando da saída dos portugueses, independência de Angola, Guerra Civil, entrada dos Sul Africanos e Cubanos no conflito, assim como os apoios da URSS e EUA às diferentes fações. O autor que presenciou 27 revoluções e golpes, esteve em 12 frentes de guerra, que foi condenado ao fuzilamento por quatro vezes e travou amizade com líderes com Che Guevara e Salvador Allende, apresenta-nos uma narrativa interessante sobre o período. Contudo, importa ressalvar que apenas é descrito um dos lados do conflito, até porque na altura o autor não teve oportunidade (até porque seria praticamente impossível) de contactar com outros movimentos como a UNITA ou a FNLA. Esta obra foi adaptada, como referido, a filme que foi lançado em 2018 e galardoado com diferentes distinções em diferentes festivais.

Trailer oficial

No decorrer do filme, surge o Farrusco que foi um Comando Alentejano que se apaixonou por África e que por isso abandonou o Exército Português e lutou ao lado do MPLA pela independência de Angola e mais tarde na Guerra Civil, chegando a General do Exército Angolano. Outra figura muito interessante que Ricardo descreve no seu livro e que também surge neste filme é a guerrilheira Carlota, uma jovem idealista e cheia de energia de 19 anos que viria a tombar em combate em 1975 quando o autor estava em Angola. Saliento que Ricardo foi dos únicos (à quem diga que foi mesmo o único) repórter de guerra estrangeiro que arriscou sair de Luanda naquele período.

Surgem ainda outras figuras muito interessantes como os jornalistas Artur Queiroz e Luís Alberto Ferreira.

Este é um filme cuja visualização vale a pena. Alguns portugueses (mesmo os que como eu não viveram o período, mas são filhos dos que viveram) vão, certamente, identificar e identificar-se com algumas situações, nomeadamente os caixotes no porto de Luanda. Todavia, não podemos ignorar que tanto o livro como o filme retratam apenas uma visão, a do jornalista, que omitiu do livro algumas situações vividas, inclusive com portugueses, e igualmente trágicas e relevantes para a compreensão do período descrito.

Em resumo, recomendo o filme, principalmente aos de “segunda geração” como eu, pelo retrato sobre a história de Angola (ainda que apenas uma das múltiplas visões sobre o problema), num período em que o país se dividia entre “irmãos” e “camaradas”, mas também pelo trabalho artístico, a simbiose entre a animação, as imagens de arquivo e as entrevistas dos intervenientes.  

Site do filme: https://anotherdayoflifefilm.com/
Facebook do filme: https://www.facebook.com/anotherdayoflife/?ref=page_internal