O breve “soviete” português – 18 de janeiro de 1934

“Marinha Grande é um nome escrito a ouro na história do movimento operário português.
Melhor se pode dizer: escrito com lágrimas e sangue”
Álvaro Cunhal

NE25ABRIL: A Revolta da Marinha Grande... 80 anos depois
Autoridades na Marinha Grande para reprimir a revolta de 1934

No início de 1934, entra em vigor uma Lei que vem pôr fim aos sindicatos livres, que seriam substituídos pelos sindicatos corporativos, típicos do salazarismo, onde o patronato dominava. Face a isto, os sindicatos resistentes convocam uma greve geral para 18 de janeiro uma greve geral, cujo objetivo maior seria derrubar o ditador Salazar.

Com exceções na Marinha Grande, no Barreiro e em Silves, a greve não conseguiu suscitar uma adesão significativa e saíram por isso, goradas as expetativas dos envolvidos. A repressão foi brutal, mesmo apesar da moderação relatada dos grevistas e sindicalistas. Pouco depois, viriam a ser condenados sumariamente, sendo que viriam mesmo a ser deportados para o campo de concentração do Tarrafal, na Ilha de Santiago em Cabo Verde (conhecido também como o “Campo da Morte Lenta” e que estes operários que iriam estrear).

Todavia, esta derrota dos sindicatos livres e dos trabalhadores viria a ganhar uma dimensão heroica e mítica. Não se pode ignorar que à data as ditaduras fascistas se estavam a consolidar na Europa e que em Portugal a Constituição do Estado Novo tinha sido aprovada em referendo onde quem quisesse votar contra teria de escrever “não” no boletim de voto e onde os votos brancos e a abstenção foram tidos como sendo a favor.

Esta revolta, que não duraria mais do que algumas horas, teve especial relevo na Marinha Grande, onde “às primeiras horas do dia 18 de janeiro de 1934, centenas de operários e trabalhadores […], sob a coordenação de um núcleo da […] Confederação Inter Sindical, cortaram as estradas de acesso à vila, as linhas telefónicas e o caminho-de-ferro. De seguida, avançaram para o centro e ocuparam os correios, a Câmara Municipal e o posto da GNR, sem depararem com resistência.”[1]. Salienta-se que nesta localidade a população aderiu de forma massiva, facto que facilitou o controle da vila.  Porém, não dispondo de recursos ou armamento, para se entrincheirarem e defenderem, às 9 horas da manhã estava montado o cerco pelo exército e pelas forças policiais e a revolta dominada, tendo sido, por aí, detidos os últimos revoltosos que se haviam pildado para a mata.

Todavia, antes da brutal repressão levada a cabo pelas forças a mando de Salazar, os operários e a população revoltosa em geral elegeram um “conselho operário”[2] que assumiu o governo da vila. Sendo que o comunista Joaquim Gomes relembrou mais tarde que “por umas horas, quem mandou na Marinha Grande foram os trabalhadores”[3].

O Estado Novo não perdoou os revoltosos, o mesmo Joaquim Gomes que estava preso quando se deu o levantamento, por dirigir as lutas dos aprendizes vidreiros, ocorridas meses antes referiu que os detidos naquele dia de 18 de janeiro de 1934 “quando regressavam dos interrogatórios, vinham irreconhecíveis. Só os reconhecíamos pelas roupas, pois as feições estavam bastante deformadas. Só começavam a voltar ao normal cerca de três dias depois», recorda. «Quando os víamos chegar, ficávamos assustados, claro. Mas também nos crescia a raiva” [3]

Moderadamente fascista?
Alguns dos presos políticos da Revolta da Marinha Grande, 1934

Assim, “Os revoltosos da Marinha Grande sofreram uma punição particularmente pesada. Quando, dois anos mais tarde, o regime inaugurou a prisão do Tarrafal, na ilha de Santiago, em Cabo Verde, um terço dos reclusos eram participantes na revolta da Marinha Grande, e alguns acabariam por lá morrer devido às condições terríveis do campo.” [1]

Coisa é certa, semearam o futuro que seria o nosso presente e ainda hoje são recordados os valentes que ali fizeram frente a um regime injusto e castrador de liberdade, mesmo sem recursos para se defenderem puseram-se na dianteira do seu sonho.

Turismo Marinha Grande / Monumentos ao 18 de Janeiro de 1934
Monumento em homenagem aos operários do 18 de janeiro de 1934 da Marinha Grande da autoria de Joaquim Correia (fotografia da Câmara Municipal da Marinha Grande)

[1] Paulo Sousa Pinto – Revolta da Marinha Grande – disponível em https://ensina.rtp.pt/artigo/revolta-da-marinha-grande/

[2] Conselho Operário ou Soviete são corpos deliberativos, constituídos por operários ou membros da classe trabalhadora que regulam e organizam a produção material de um determinado território ou mesmo indústria. Retirado de https://pt.wikipedia.org/wiki/Conselhos_oper%C3%A1rios

[3] Retirado de um artigo publicado na Edição Nº1572 do jornal “O Avante!” e disponível em https://www.dorl.pcp.pt/index.php/histria-do-pcp-menumarxismoleninismo-103/85-momentos-da-historia-do-pcp/207-artigos-de-85-momentos-da-historia-do-pcp/268-70-anos-do-18-de-janeiro-de-1934-na-marinha-grande