(Este texto foi publicado originalmente no blogue do Centro da Criança em outubro de 2019. Está disponível em: https://www.centrodacrianca.pt/post/tpc-que-barbaridade-%C3%A9-essa)
Imagine que após uma jornada de trabalho (que em muitos casos ultrapassa as 8 horas) o seu chefe lhe ordenava Trabalhos Para Casa (TPC) para melhorar a sua técnica ou desempenho. Imagine, ainda, que a não realização desses mesmos TPC lhe traria prejuízos na progressão na carreira e até no salário.
Pois bem, certamente que o pensamento da maioria será, isso é um absurdo (ou pelo menos assim espero). Então, se é absurdo para os adultos no mundo do trabalho, porque não é para as nossas crianças?
Isto torna-se mais absurdo quando os docentes reclamam, com justiça, pelo trabalho que têm de realizar em casa e fora de horas. Trabalho não remunerado (o que põe em causa se realmente é Trabalho). No entanto, há docentes que continuam a exigir aos seus discentes o mesmo grau de barbárie. Não se aplicando, neste caso, a máxima “olha para o que eu digo e não para o que eu faço”.
Quem lida com crianças sabe que a realidade diária de muitas é saírem de casa muito cedo e regressar a casa muito tarde, fruto, por um lado, da vida desregulada dos pais, e por outro lado do excesso de atividades paralelas em que participam.
Em virtude da minha atividade profissional, já convivi com crianças que entravam no colégio às 7h30 e saíam às 18h30, convivendo mais com os auxiliares de educação do que com os encarregados de educação.
Imagine-se então chegar a casa tarde e a más horas e ainda ter de fazer os TPC. Ou de ter de disponibilizar parte do seu fim de semana para a realização dos TPC. Bem sei que muitas crianças fazem os TPC em centros de estudo ou no apoio ao estudo na escola, mas porque não aproveitar esse tempo para que o aluno possa aprofundar conhecimentos sobre áreas que realmente lhe interessam!?
O aprofundar desta temática levaria a um texto extenso em que a análise de todas as variáveis valeria, no mínimo, uma Tese, não sendo, evidentemente, este o local adequado para tal. No entanto, hoje sabe-se que estes trabalhos, geralmente atividades repetitivas, são um fator de stress nas crianças e na família, com condicionantes para a saúde dos mais novos.
Para os mais cépticos relativamente à minha opinião, convido-vos a analisar o trabalho desenvolvido pelo Professor e Investigador Harris Copper da Universidade de Duke (EUA). Este concluiu que nos primeiros 6 anos de escolaridade os TPC não têm qualquer relação com as notas dos alunos. Estas conclusões têm originado muito interesse em diversas comunidades, das quais se destaca a Organização Mundial de Saúde e as Nações Unidas que têm emitido petições no sentido de se eliminarem os TPC de forma definitiva.
Importa salientar, a favor da minha opinião (até porque os argumentos nunca são demais), que os países ocidentais que têm ocupados os primeiros lugares a nível mundial no respeitante não contemplam a possibilidade de TPC.
Temos ainda o fator social. Uma criança de uma família com membros com mais estudos terá certamente a vida mais facilitada neste campo, comparativamente com uma criança cujos familiares tenham menos competências académicas e que à partida terão menos capacidades para a ajudar nestas tarefas.
O insistir nos TPC só demonstra a obsessão pelo Currículo, pelos Programas das diferentes Áreas (alguns caducados e mal desenhados) e por uma avaliação centrada em pressupostos errados.
Em vez de TPC, porque não recomendar recursos que os alunos possam explorar livremente de forma a poderem pesquisar e aprofundar os seus conhecimentos nas suas áreas de interesse? Deixem-nos usufruir do tempo livre, até porque todos sabemos que dentro de poucos anos este ser-lhes-á certamente escasso.
Se na Escola o aluno é obrigado a aprender aquilo que lhe é impingido, não queiramos que a Escola controle as horas que lhe restam, contribuindo para lhe castrar o tempo que tem para ser criança.
Filipe T. Moreira