Perspetiva atual da educação em ciências no Ensino Básico

Segundo Weissmann (1993, citado por Martins, 2002, p.5) “o facto de metade dos conhecimentos científicos atuais terem sido produzidos durante a segunda metade do séc. XX” parece estar na base da mudança de uma Sociedade Industrial para uma Sociedade da Informação (ou do Conhecimento). Um dos traços mais marcantes da sociedade atual é a tecnologia da comunicação (Pereira, 2007), permitindo o acesso à informação em tempos e em espaços diversos e a um número crescente de pessoas (principalmente nas sociedades ditas de “primeiro mundo”) (Martins, 2002). A disseminação destas tecnologias tem contribuído enormemente para a democratização de muitos países, como atesta a “Primavera Árabe”, criando, um fosso entre a sociedade contemporânea e a sociedade da revolução industrial fortemente marcada pela estratificação social e pela exploração do Homem pelo Homem. Recursivamente, todas estas alterações fizeram com que houvesse “uma rejeição do modelo de escola inspirado na produção, […] baseado na metáfora da linha de produção” (Pereira, 2007, p.489), de natureza fortemente mecanicista.

Assim, a caracterização das perspetivas atuais da Educação em Ciências acarreta a necessidade de compreensão da sociedade atual nos seus aspetos económicos, sociais e culturais, considerando as questões da globalização (Pereira, 2007).

Com as profusas mudanças sociais, económicas e culturais ocorridas no século passado, a Educação em Ciências orientada apenas para as elites e/ou para a formação de cientistas e de técnicos foi considerada inadequada por políticos, empresários e industriais (Tenreiro-Vieira, 2002). Nesse sentido, uma “Educação em Ciências, centrada na aquisição de conhecimentos, demonstrou ser, além de redutora, pouco eficaz no sentido de formar cidadãos cientificamente cultos e preocupados com as questões da atualidade” (Pereira, 2002 in Fartura, 2007, p.10). Neste quadro, tem surgido, ao longo das últimas décadas, a consciencialização sobre a necessidade de se repensar as finalidades desta Educação que estimulou uma “cultura para a Ciência escolar assente na literacia científica, para um público informado” (Martins et al., 2007, p.18).

O termo literacia científica surgiu nos Estados Unidos da América, sendo por vezes utilizado como sinónimo de “alfabetização científica” (expressão mais em uso nos países francófonos) ou de “cultura científica” (expressão adotada pela UNESCO). Dada a sua abrangência concetual, resgatam-se três:

– Conforme Tenreiro-Vieira (2002), um indivíduo é cientificamente literado se conseguir “atuar em conformidade com dois princípios base”. Sendo um o uso de “conhecimentos científicos e das capacidades de pensamento na tomada de decisões” e o outro refere-se “à compreensão das relações entre ciência, a tecnologia e as diversas esferas da sociedade” (p.190);

– Para Harlen (2006), trata-se de um indivíduo com uma “ampla compreensão das ideias-chave da Ciência, evidenciada pela capacidade de aplicar essas ideias aos acontecimentos e fenómenos do dia-a-dia e a compreensão das vantagens e limitações da atividade científica e da natureza do conhecimento científico” (p. 6);

– Para a OCDE (Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Económico), um indivíduo é literado cientificamente se possuir conhecimento científico e utilizar esse conhecimento para identificar questões, adquirir novos conhecimentos, explicar fenómenos científicos e elaborar conclusões fundamentadas, compreendendo as características próprias da ciência enquanto forma de conhecimento e de investigação. Tem a consciência do modo como ciência e tecnologia influenciam os ambientes (culturais) e tem vontade de se envolver em questões relacionadas com ciência enquanto cidadão reflexivo (OCDE, 2009, p.14).

Vários argumentos têm sido utilizados para justificar a necessidade da Educação em Ciência para todos, conducente à aquisição de ferramentas básicas na perspetiva da literacia científica (Pereira, 2002), destacando-se as vertentes económico-políticas e sociais. A Educação Científica desempenha, desde os primeiros anos de escolaridade, um importante papel na promoção do desenvolvimento pessoal e social da criança.

Assumindo, assim, a literacia científica como o grande objetivo da Educação em Ciências e considerando que tal é incompatível, desde logo, com a finalidade exclusivamente propedêutica do ensino das Ciências, isto é, com uma Ciência escolar relevante só para prosseguir estudos científicos superiores (Acevedo-Díaz, 2004; Harlen, 2006a; Howe, Davies, McMahon, Towler e Scott, 2005 mencionado em Martins, et al., 2006), podem considerar-se como finalidades da Educação em Ciências para todas as crianças tal como as concebe Martins et al. (2006, p.19):Promover a construção de conhecimentos científicos e tecnológicos que resultem úteis e funcionais em diferentes contextos do quotidiano;

– Fomentar a compreensão de maneiras de pensar científicas e quadros explicativos da Ciência que tiveram (e têm) um grande impacte no ambiente material e na cultura em geral;

– Contribuir para a formação democrática de todos, que lhes permita a compreensão da Ciência, da Tecnologia e da sua natureza, bem como das suas inter-relações com a sociedade e que responsabilize cada indivíduo pela sua própria construção pessoal ao longo da vida;

– Desenvolver capacidades de pensamento ligadas à resolução de problemas, aos processos científicos, à tomada de decisão e de posições baseadas em argumentos racionais sobre questões sócio científicas;

– Promover a reflexão sobre os valores que impregnam o conhecimento científico e sobre atitudes, normas e valores culturais e sociais que, por um lado, condicionam, por exemplo, a tomada de decisão grupal sobre questões tecnocientíficas e, por outro, são importantes para compreender e interpretar resultados de investigação e saber trabalhar em colaboração.

Cachapuz, Paixão, Lopes e Guerra (2008), revisitando Colucci-Gray e seus colaboradores (2006), mencionam uma perspetiva recente que aponta para um quadro do ensino das ciências, onde se pretende fazer a transposição da literacia científica para a literacia para a sustentabilidade, apoiando-se na problemática da complexidade e da controvérsia socio-ambiental. Segundo Parkin et al. (2004), um individuo literado para a sustentabilidade compreende a necessidade de um desenvolvimento sustentável, tem a capacidade de agir em favor do mesmo e é capaz de reconhecer as decisões e ações dos outros que favorecem isso.

Na perspetiva de Colucci-Gray e seus colaboradores (2006), há a necessidade de se comprometer os alunos com a conservação dos ecossistemas naturais dos quais dependem todas as necessidades humanas. Para estes autores, a Educação em Ciências deve ser promotora de uma consciência sobre a complexidade dos processos naturais e das suas relações não lineares. A compreensão destas relações entre os diversos elementos exige um conhecimento que não se pode restringir ao conhecimento das propriedades dos elementos isolados, pois este não permite predizer o comportamento do sistema no seu todo.

Nesta linha da sustentabilidade, Costa (2013) defende que a educação científica deverá incluir, para além da dimensão científica, as dimensões filosóficas e éticas, tendo em vista que os cidadãos exerçam a sua cidadania de “forma informada, fundamentada, coerente e responsavelmente”.

Para citar: 

Moreira, F., (2015). Abordagem da temática das plantas num contexto EDS orientado para o Pensamento Crítico no 1.ºCEB pp. 16-18. Universidade de Aveiro: Aveiro

As referências bibliográficas presentes neste excerto podem ser consultadas no documento completo.

(Artigo publicado originalmente em 2015)