(Originalmente publicado no Jornal N de 28 de setembro de 2020)
Num momento em que tanto se fala sobre o crescimento dos extremismos, nomeadamente da extrema-direita, seria de esperar que se reforçassem os pilares da Democracia. No entanto, não se tem verificado o reforço destes pilares, assim como não se têm efetuado as reformas necessárias. A acrescentar, tem-se verificado que muitos partidos e figuras de relevo têm cedido ao populismo barato e demagogo que apenas contribuiu para a ridicularização da política.
Relativamente à ridicularização política, importa salientar que esta é perseguida religiosamente por uma parte da comunicação social nacional que tende a dar destaque ao circo que se faz em torno da política (geralmente com intenção de desviar as atenções) e não ao que realmente interessa. Chegando-se ao cúmulo de o tema político principal do dia ser o vestuário de deputados ou assessores, conforme se verificou no passado.
Voltando à Democracia, não se pode olvidar que um dos pilares que a sustenta é o envolvimento dos cidadãos na política, caso contrário esta pode tornar-se uma atividade de elite com interesses não condizentes com as reais necessidades das populações, levando a que surjam as democracias de fachada.
Entenda-se por democracia de fachada um sistema onde as instituições se apresentam como democráticas, com estatutos teoricamente democráticos, mas que na realidade funcionam a dois tempos. Um para as classes afastadas dos órgãos de poder, outro para as elites próximas do poder. Como exemplo temos a Justiça de classe que, apesar de curtos avanços, tem vigorado há vários anos em Portugal.
Assim, é preciso trazer à atividade política mais gente. Por gente entenda-se verdadeiros cidadãos com ideias, experiências de vida diferentes, novas vontades e sem os vícios dos carreiristas. Porque o problema dos carreiristas é que tendem a perpetuar o que está mal e a não reforçar o que está bem, na expetativa de que com o bajular do sistema conseguirão alcançar os seus objetivos pessoais que na maioria das vezes não são condizentes com os do coletivo. Como sabemos, os carreiristas (ou os boys e girls como comumente são conhecidos) são muitos, demasiados e estão hoje perfeitamente integrados nas instituições e partidos, tanto a nível nacional como local.
Uma forma, talvez a mais eficaz e próxima, de trazer mais gente à política e de as envolver nas discussões e decisões políticas é através das autarquias. Até porque, o Poder Local, especialmente nas freguesias, é a massa agregadora da democracia cuja intervenção está ao alcance de qualquer cidadão.
Para que isto aconteça é necessário, por um lado, o reforço dos órgãos autárquicos, nomeadamente na sua divulgação e, por outro lado, é necessário aproximar estes órgãos das populações. Para que isto aconteça, é necessária e urgente a reposição das freguesias extintas (ou agregadas como a direita política gosta de dizer).
Todavia, se uns foram em tempos contra, parece que agora tardam em agir para a sua reposição. Ainda recentemente a Ministra da Modernização do Estado e da Administração Pública prometeu apresentar uma proposta de lei para a reposição de parte das 1168 freguesias extintas. O problema é que não se sabe quais os critérios para esta proposta e pior, esta proposta já foi anunciada há dois anos pelo então e atual Primeiro Ministro e até agora nada se alterou. Com a agravante de no próximo ano haver eleições autárquicas.
Sabendo-se hoje que um dos principais objetivos desta extinção de freguesias era o empobrecimento democrático sob o guarda-chuva das finanças nacionais. Prova disto é o facto do impacto nas finanças ter sido praticamente nulo, ao contrário da proximidade das autarquias e dos eleitos cujo impacto foi muito significativo. Esperava-se uma maior celeridade na resolução deste problema, no entanto as populações têm saído defraudadas.
Ao exposto, importa salientar que a extinção de freguesias correspondeu ao aumento das assimetrias regionais já existentes, contribuindo também para a extinção de serviços públicos, abandono de populações (especialmente no interior do país onde as Juntas de Freguesia eram a única entidade pública) e o afastamento de cerca de 20 mil cidadãos eleitos, dificultando a capacidade de intervenção e resolução de problemas.
Assim, parece evidente que se realmente se quer reforçar a Democracia, a reposição das freguesias é uma das medidas essenciais que proporcionará proximidade e envolvimento. Ficaremos a aguardar que melhores ventos levem a bom porto esta proposta de Lei que tende a não sair do estaleiro.
Filipe T. Moreira