Tráfico e exploração de crianças em crescendo (opinião)

(Opinião publicada orginalmente no Diário da Feira, em 21 de janeiro de 2021. Disponível aqui: https://diariodafeira.com/?p=51761)

Apesar da reduzida atenção dada pelos média nacional à temática do tráfico de crianças, esta continua a ser uma realidade à escala global, que infelizmente está em crescendo, e da qual Portugal parece não estar livre.

Como se pode compreender, os valores reais do tráfico humano são difíceis de se obter com precisão e estão constantemente em atualização, à medida que surgem novos dados.  No entanto, basta-nos os números conhecidos para termos uma ideia deste flagelo verdadeiramente assustador. Em menos de uma década este número quase duplicou.

Os dados conhecidos indicam que em 2012 cerca de 20,9 milhões de pessoas foram vítimas de tráfico, ou seja, quase duas vezes a população de Portugal. Desde então, verifica-se um aumento dos números, apontando os mais recentes para cerca de 40,3 milhões de vítimas à escala global.

Mas quem são estes 40,3 milhões de humanos? A esta questão a Organização Internacional do Trabalho (agência da ONU que reúne empregadores, trabalhadores e governos de 187 estados-membros) responde com o seu último relatório e que passarei a apresentar de forma resumida neste artigo.

Assim, segundo esta agência, 71% das vítimas são mulheres ou meninas e 29% rapazes ou homens. No respeitante à idade, 25% são menores, ou seja, há cerca de 10,1 milhões de vítimas de tráfico humano que são menores (veja-se que é um número próximo da população de Portugal). Destes menores traficados, 37% são forçados a casar e estima-se que 21% tenham sido vítimas de exploração sexual.

A par destes números verdadeiramente assustadores, a mesma agência publicou que em 2016 estimava-se a existência de cerca de 152 milhões de crianças vítimas de trabalho infantil, à escala global. Destas, 64 milhões eram meninas e 88 milhões meninos, sendo que o maior número de crianças nestas circunstâncias se encontra em África (72,1 milhões), seguindo-se a Ásia e o Pacífico (62 milhões), todo o continente americano (10,7 milhões), a Europa e Ásia Central (5,5 milhões) e, por último, os estados Árabes (1,2 milhões). No universo destas crianças, destacam-se as com idades compreendidas entre os 5 e os 14 anos, estimando-se que um terço esteja fora do sistema educacional.

Com estes números verifica-se que há ainda um longo caminho a percorrer relativamente ao tráfico e exploração de humanos, principalmente crianças. Mesmo nos países Ocidentais, onde os sistemas de proteção de menores não têm sido capazes de dar uma resposta aos problemas e em alguns casos revelando falhas graves. Veja-se o caso do Reino Unido, onde a Children’s Society afirma que em 2017 mais de 560 crianças foram vítimas de tráfico e exploração sexual, muitas delas estando precisamente sob responsabilidade do Estado ou de instituições parceiras. Relativamente a exploração sexual, estima-se que em Inglaterra existam cerca de 16 500 crianças em alto risco de se tornarem vítimas. Esta organização avança ainda que em Roterdão (Países Baixos) 1400 crianças foram vítimas de exploração sexual entre 1997 e 2014, ou seja, a legalização da prostituição não parece contribuir para a minimização deste problema.

Os dados publicados mostram que apesar das crianças que vivem em meios flagelados pela guerra ou pobreza extrema serem as maiores vítimas, a verdade é que não são as únicas. Crianças de famílias pobres e ao abrigo do estado surgem também como as principais vítimas.

No caso de Portugal, não se pode ignorar os casos do passado, que foram tendo relevo na comunicação social e que espelham bem as dificuldades que as populações sentiam. No entanto, a realidade alterou-se e hoje os casos de venda de menores são esporádicos.

Porém, não se pode ignorar as grandes fragilidades que ainda existem. Fragilidades essas que passam por Portugal ser apontado por diversas vezes como uma plataforma de passagem do tráfico de crianças, facto que levou o SEF (Serviço de Estrangeiros e Fronteiras) a criar equipas especializadas vocacionadas para uma intervenção integrada ao nível da proteção e acolhimento das vítimas de tráfico de seres humanos no âmbito da prevenção e investigação criminal de especial complexidade como é o tráfico de pessoas.

Outra fragilidade que tem sido identificada no nosso sistema prende-se com o excesso de burocracia e falta de recursos e poder por parte de instituições especializadas na proteção de menores como as CPCJ – Comissões de Proteção de Crianças e Jovens. A Conjugação destes fatores deixa uma brecha para que muitas crianças percam as suas infâncias e em alguns casos a própria vida.

Continua, assim, a haver a necessidade de direcionarmos a atenção para estes problemas, que vão ainda sucedendo em Portugal e para os quais é preciso o reforço de meios, mas o empenho da sociedade civil.

Filipe T. Moreira