UM POUCO DA VIDA DE JOSÉ ANASTÁCIO DA CUNHA

A informação veiculada na literatura de especialidade e em outras fontes sobre José Anastácio da Cunha não é totalmente coerente, havendo discrepâncias entre algumas e pouca precisão noutras, nomeadamente na datação. Apesar dessas inconsistências, pode apurar-se que nasceu a 11 de Maio de 1744 no seio de uma família humilde: o pai Lourenço da Cunha era pintor e a mãe Jacinta Inês era criada.

Segundo Queiró (1994), Anastácio da Cunha usufruiu de educação basilar na Congregação do Oratório na Casa das Necessidades em Lisboa que, à época, desenvolvia uma “notável e inovadora ação pedagógica”(p.1), tendo o próprio revelado que aí estudara “Gramática, Retórica e Lógica” e “Física e Matemática por sua curiosidade e sem mestre” (p.1). No ano de 1762 aceitou o lugar de tenente no Regimento de Artilharia do Porto (estacionado em Valença do Minho), o que – aliás – viria a ser determinante para a sua vida, ao permitir-lhe contactar com a cultura protestante e com ideias iluministas – anos mais tarde, a principal acusação por parte da Inquisição. Na altura, a organização nacional do Exército era da responsabilidade do Conde alemão Lippe e, em conformidade com Teixeira (1990), chegara até a haver incidentes entre o português e o alemão.

Para Pombo (s.d.), Cunha era um “jovem tímido, arrebatado e principalmente muito dotado em termos científicos, como também linguísticos e literários”, tendo a sua intelectualidade uma influência notória (através dos oficiais estrangeiros que cumpriam serviço no exercito português) na cultura dos países designados iluministas. Com 25 anos, Anastácio da Cunha foi nomeado Tenente-Coronel e destacado para a praça de Almeida, onde a pedido de Fraser elaborou uma carta intitulada “A teoria da pólvora em geral e a determinação do melhor comprimento de peça de artilharia em particular” que demonstrava alguns dos erros presentes na teoria de Dulacq. Contrariamente ao que se pensava até ao início dos anos 90 do século XX, foi este documento que originou alguns incidentes entre Conde Lippe e o matemático português. Nesse contexto histórico, é de ressalvar que em Portugal reinava D. José e governava Marquês de Pombal, um homem identificado com o iluminismo e que tinha consolidado o seu poder eliminando grande parte da alta nobreza. Assim, os poderes da Inquisição haviam sido reduzidos, fruto da sua influência junto do Papa Clemente XIV.

No decorrer da sua governação, Marquês de Pombal realizou várias reformas, uma das quais na Universidade de Coimbra (1772) com a fundação da Faculdade de Matemática e de Filosofia. Por esta altura já as exímias capacidades de Anastácio da Cunha eram do seu conhecimento, pelo que recomendou-o ao Reitor da Instituição Coimbrã para lecionar a cadeira de Geometria, como retrata o seguinte excerto:

– As incomodidades, que há sete semanas me tiveram impedido, não permitiram que eu desse a Vossa Excelência completa noção do Professor José Anastácio da Cunha, que até agora serviu de Tenente na Companhia de Bombeiros do Regimento da Praça de Valença do Minho. O dito militar é tão eminente na Ciência Matemática, que tendo-o eu destinado a ir _a Alemanha aperfeiçoar-se com o Marechal General, que me tinha pedido dois, ou três moços Portugueses para os fazer completos, me requereu o Tenente General Francisco Maclean, que não o mandasse, porque ele sabia mais que a maior parte dos Marechais dos Exércitos de França, de Inglaterra, e da Alemanha; e que _e um daqueles homens raros, que nas Nações cultas costumam aparecer (Queiró, 1994, p.2).


Anastácio da Cunha viria a exercer este cargo durante cinco anos, destacando-se a tradução e a síntese de “Elementos de trigonometria e álgebra”, obra principal do ensino de geometria. Em 1776 apresentou um “Compêndio de elementos práticos” que, apesar do não aval científico dos outros lentes da Faculdade de Matemática da Universidade de Coimbra, foi o alicerce da obra “Princípios Matemáticos”, de reconhecido valor e interpretada como estando à frente do seu tempo.

Durante o período em que permaneceu na Universidade de Coimbra, as suas conceções pedagógicas foram perspetivadas como invulgares: em vez de se reger pela exposição do que constava nos livros “procurou, indo de encontro com os Estatutos da instituição, fomentar uma prática de ensino onde os alunos se consciencializavam dos aspetos mais peculiares do que pretendia transmitir, procurando que estes ultrapassassem as suas dificuldades” (Martins, 2006,p.23).

Em 1777, com a morte de D. José, Marquês de Pombal cai na desgraça e dá-se início a um processo que ficaria conhecido como “Viradeira”, em que os reprimidos pelo Marquês ganham poder, assim como a Inquisição. Anastácio da Cunha, que tinha a reputação de iluminista, foi denunciado por colegas e por conhecidos. A 1 de julho de 1778 foi detido, sendo-lhe lida a sentença a 11 de outubro do mesmo ano: condenação a três anos de reclusão na Congregação do Oratório na Casa das Necessidades (instituição onde havia sido discente) e a quatro anos de degredo em Évora, ficando ainda proibido de se deslocar a Valença e a Coimbra. Porém, a penitência resumiu-se aos três primeiros anos (e julga-se que nesse “tempo” terá aperfeiçoado “Princípios Matemáticos”), tendo-lhe sido perdoado o restante castigo.

Quando em 1781 saiu da reclusão, foi convidado para organizar os estudos de Matemática, na Casa Pia, instituição de solidariedade então recentemente criada e que teria como base a sua principal obra “Princípios Matemáticos”. Ali permaneceria a trabalhar até à sua morte em 1787 com apenas 42 anos de idade.

Referências bibliográficas

Martins, S. (2006). Fundamentação Numérica da Análise em Portugal em Anastácio da Cunha, Gomes Teixeira e Vicente Gonçalves. Funchal: Universidade da Madeira (Disponível em http://digituma.uma.pt/bitstream/10400.13/180/1/SóniaMartinsMestrado.pdf, acedido em dezembro de 2013)
Pombo, O. (s.d.). Vida e obra de José Anastácio da Cunha. Coimbra: Universidade de Coimbra (Disponível em http://www.educ.fc.ul.pt/docentes/opombo/seminario/acunha/vida.htm, acedido em dezembro de 2013)
Queiró, J. F. (1994). José Anastácio da Cunha – Um Matemático a Recordar, 2000 anos depois. Coimbra: Universidade de Coimbra (Disponível em http://www.mat.uc.pt/~jfqueiro/cunha.pdf, acedido em dezembro de 2013)

Filipe T. Moreira

(Texto publicado originalmente em 2013)